Alguém compartilha? A solidão eu combato jogando, on line, “paciência” comigo mesmo (perceberam o duplo sentido?), enquanto aguardo o aviso do meu aplicativo de e-mail que chegou mensagens, mensagens essas que nada mais são que anúncios de tudo quanto é natureza: de carta de vinhos ao “novo azulzinho”, aumento do bilau à cura da ereção precoce. Tudo isso é meio lógico pois o aplicativo expõe, sem autorização, diga-se de passagem, a minha idade cronológica, mas tenham certeza, ignora totalmente a biológica, assim os anunciantes enchem as caixas postais. Por um lado dão-me o que fazer , por outro complicam ainda mais a minha já prejudicada autoestima. Enquanto me divirto em algum jogo ou assisto um vídeo , fico feliz ao ver aparecerem os números vermelhos, os quais acompanho atento e ansiosamente, tal uma criança com um olho nos pares de meia penduradas e o outro na chaminé, na véspera de Natal.. A falta de atenção eu combato com maestria: escrevo futilidades com “hashtags” e as publico, ou eu compartilho vídeos com conteúdo de alta carga emocional e fico na espera dos númerozinhos vermelhos “bombarem” nos ícones das minhas redes sociais, aí sei que são as curtidas e comentários chegando e o ego se eleva ao topo, quando há um compartilhamento daquilo. Permaneço nas outras atividades, dou um tempo para acumularem os “feedbacks” e eu, assim, poder gastar mais tempo lendo-as e respondendo-as. Mas, o mais engenhoso ainda é quando começo a me sentir o José do poema de Drummond, a monotonia começa a imperar e o astral a abaixar, aquela sensação extrema de abandono, de atenção, minha carência me leva às lojas virtuais e eu compro compulsivamente qualquer coisa mesmo, às vezes sem nenhum valor, mas só pelo prazer de num futuro breve a campainha tocar, eu ver o rapaz do correio me perguntando: “Senhor Carente?” e eu “surpreso” espondendo: “ Sou eu mesmo!” e quando pego a encomenda, geralmente é uma caixa de papelão vedada com um tom de mistério e quanto mais fitas adesivas mais aumentam as minhas expectativas… então eu construo aquele clima de estar recebendo aquilo de alguém e penso comigo mesmo: “Enfim chegou o mu presente!” E até chego a me levar a pensar que alguém se lembrou de mim… Um momento mágico! Ali se encontram o “mail” físico acionado pelo virtual e lacrando no comando a minha fértil ilusão... E assim passam-se os meus deprimentes dias, no fundo lamentando a ausência de uma amiga fiel, desestressante e bem gelada cerveja. (RAS)
Enviado por (RAS) em 18/02/2019
Alterado em 03/04/2020 |