As janelas que eu vivi.
Sou do tempo em que as janelas tinham os parapeitos gastos, e deixavam calosos os cotovelos, ali se depunham os pães fresquinhos e os extintos litros de leite de vidro... tudo muito, muito natural! Sou do tempo dos muros apenas limítrofes, onde crianças subiam e se equilibravam, a transpor toda sua extensão... crianças equilibristas, portadoras de coragem!
As janelas às vistas... eram os olhos das casas... refúgios dos lares... era de onde de fora se via o oratório, aquele amarelado retrato, com moldura oval, de madeira, as prateleiras com cristais, a mesa forrada com toalhas de crochê... E se ouve o velho rádio a entoar modas, a misturar-se aos galináceos em seus solfejos matinais de uma nota só... Emblemáticas janelas!
Descanso das donas de casa, mormente pelos entardeceres... Uma tela aberta para o mundo...
Preferidas das namoradeiras, das encalhadas, das fofoqueiras, fontes de notícias mil, superando os confessionários. Ancestrais da mídias globais, pois o lugar era o mundo inteiro...
Por onde se previa o tempo e por onde ventos assanhados invadiam, e o sol dirigia sua luz doirada, o seu bem vindo calor... e nos amanheceres, eram redutos de avós, o fazer um cigarro de palha, seguidos de tragos de contemplação... olhares longínquos...
Eram também ouvidos: captavam o badalar dos sinos, a “Hora dos Angelus”, o gorjear dos pássaros, a banda garbosa, em ação no coreto do átrio eclesial, de onde se avistava o campanário... Os barulhos das carroças nas ruas calçadas, as serenatas e cantorias de boêmios, os lindos mantras entoados pelas lavadeiras e os risinhos de segredos dos ora tímidos, ora ousados flertes, dependendo do avançar das horas...
Eram também narizes: a farejarem aromas de flores vivazes, o odor da chuva tardia, do velho esterco, cheiro de capim novo roçado, do chiqueiro do vizinho do lado, cheiro de damas da noite, das perfumadas donzelas passantes, dos engenhos, do passar de cafés vespertinos, o cheiro da roça, cheiros enfim, de pura saudade. Sim! A saudade tem cheiro... ei-lo acima a exalar-se e a entrar por olfativas frestas, a conduzir-me ao limiar de meus dias, quando meu coração aventurava, por elíseos campos, rios, caminhos misteriosos e floridos... e que naquela puerilidade, chegava-se ver os Anjos da Guarda nas formações de nuvens, ao lado do velho cruzeiro de madeira, lá no alto da colina...
Sempre viam-se, pelas janelas, meus felizes retornos, nunca de tão longe, dali mesmo... São minhas frestas avistadas pelos tempos das janelas.
Sei que há muitas moradas no reino dos céus, a minha eu quero com as janelas do passado e de muros de altura tal, que não me sejam sombras, nem viseiras.
Vou querer a minha morada de janelas de madeiras, com tramelas, para quando forem-me fechadas as porta, eu possa pula-las para entrar ou sair, como outrora.