O revés do amor.
Agora o que faço com o que os meus olhos viram? O que faço com as lembranças de cada encontro? O que faço com o que cada átomo meu sentiu, com o que cada poro reteve? O que faço com os finos e penetrantes aromas e os olhares me sorrindo? O que posso fazer se como tatuagem cravou-se em cada parte de mim, cada parte de ti? E agora o que faço com sua voz que teima em aparecer em cada prece, em cada música, em cada distração? O que fazer com tantas sensações encrustadas nas paredes dos meus sentidos e do meu, agora, depreciado ser? E veio o fim... Tornaste tudo isso tão ridículo, feio, podre, doentio até... Cheguei a mendigar compaixão... Noites loucas em claro, de desesperos de vazios e prantos incontidos... Jamais fui tão humilhado assim e fizeram-me sentir tão infima criatura... E por tudo que fiz, mais uma vez, fui tratado como um arremedo de espírito que nem sei se o porco tem. E agora o que faço ou o que entendo daquelas juras de imenso amor, com os elogios nas horas da minha agonia e que tanto me confortavam? Ali, naqueles momentos, eu sentia deitar-me em cama envolta pela verdade, na felicidade sem fim. O que faço e como digerir agora a promessa espontânea de que depois de mim, mais ninguém? Não sabendo ser assim mesmo, muito pouco provável pelas derradeiras demonstrações vestidas de cinismo e ironia... Tenho ainda a esperança na afirmação de que o ódio é o amor que adoeceu, pois esse ódio é o meu câncer, o meu definhar, o meu atraso moral. A ti resta a missão de restabelecê-lo, de na verdade apenas encará-lo. Abandonaste-me num imenso nosocômio vazio e escuro. Fechaste-me todas as portas, outrora escancaradas e as me bateste na cara. Passo as horas aguardando a improvável visita tua, pois ainda quero acreditar que a conheço. Se é que ainda preservaste um pouco daquela mulher digna, intrépida, senhora das tuas vontades e de personalidade firme ante teus propósitos, se resta-te ainda um fiasco de verdade nos teus hoje, pra mim, dúbios discursos declarativos. Não consigo encontrar verdade neles. O vazio, a falta de resposta, a resposta mentirosa e engendrada tão egoisticamente em ardileza, leva-me a esse ódio e ainda a cruel dúvida se é ele curável... Por outro lado, se eu não perdoar... Agora serei egoísta como estás sendo até então. Eu mereço te perdoar, se não, coitado é de mim! (RAS)
Enviado por (RAS) em 24/02/2015
Alterado em 25/02/2015 |